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A Microsoft e Suas Patentes

by Ricardo Bánffy last modified Nov 19, 2008 07:30 PM

Uma análise da ameaça que o portfolio de patentes da Microsoft representa para os usuários de Linux e de outros programas

Em 2004, a Open Source Risk Management publicou um estudo que analisava o risco de que software livre (particularmente as distribuições de Linux) corria de violar patentes de software. Neste estudo, o especialista em patentes Dan Ravicher apontava para possíveis 283 violações, sendo que 23 poderiam ser de patentes da Microsoft.

A OSRM foi criada na esteira da ação que o SCO Group (ex Caldera) move contra a IBM alegando que partes dos sistemas AIX e Dynix seriam propriedade intelectual dela (resultado da compra do Unix System Labs) e teriam sido indevidamente incorporadas ao Linux. Há vários anos o SCO Group tenta, sem sucesso, demonstrar suas acusações. Apesar disso, a OSRM vende seguros para compensar eventuais perdas em processos judiciais sobre a incorporação e o uso de software livre. Quanto ao SCO Group, até onde sabemos, nunca, nenhuma única linha de código foi apresentada à corte como evidência e o tempo para a conclusão lógica do processo - e a aniquilação completa do SCO Group debaixo de uma montanha de custas processuais - está acabando. Ao que tudo indica, o SCO Group não verá o primeiro nascer do sol de 2008.

A Ameaça

Alguns dias atrás, em uma entrevista à revista Fortune, Brad Smith, vice-presidente e advogado da Microsoft, provocou agitação dizendo que o kernel do Linux viola 42 patentes da Microsoft, as interfaces gráficas para ele violam 65, o OpenOffice viola mais 45, programas de e-mail violam 15 e outros programas livres ou de código aberto violam outras 68, em um total de 235 patentes violadas.

É no relatório da OSRM que a Microsoft baseou suas afirmações.

A gravidade das afirmações da Microsoft está não apenas na ameaça que pende sobre as distribuidoras de software livre, mas, também, contra os usuários finais - segundo a lei americana, os usuários também são responsáveis pelo pagamento de royalties pelo uso das patentes e podem ser processados se não o fizerem.

Lembremos, no entanto, que, em nenhum momento a Microsoft disse quais patentes estariam sendo violadas. Ao contrário: Ela ativamente se recusa a prestar quaisquer esclarecimentos além desses números. Dizem eles que não estão prontos para divulgar esta informação.

É curioso ter um número exato (235), dividido em categorias, e não estar pronto a dizer do que se trata isso tudo, afinal.

Lembremos também que o próprio Dan Ravitcher, autor do estudo, diz que Ballmer e seus colegas entenderam tudo errado e que as distribuições de Linux não incorrem em riscos significativamente maiores de violar patentes do que qualquer outro software, inclusive os da Microsoft.

A conclusão inevitável é que em nenhum momento a Microsoft teve qualquer intenção de fazer valer suas ameaças. A conclusão inevitável é que esta é apenas uma manobra planejada para criar confusão no mercado.

O Desmentido

Pouco depois disso chegou a notícia de que a Microsoft não tem planos imediatos de iniciar ações contra distribuidores e usuários. Através de um porta-voz da companhia, ela disse que podia ter processado os distribuidores e usuários em qualquer momento nos últimos 3 anos. A Microsoft diz também que preferiu se dedicar a "construir pontes" para evitar ações desse tipo. O pacto de não-agressão entre Microsoft e Novell é um exemplo. A Microsoft está pagando US$ 308 milhões para que, segundo a Microsoft, os usuários de software Novell estivessem livres da ameaça de processos por violação de patentes.

Você não é o único a notar essa contradição. Afinal, se a Microsoft tem faca e queijo sob seu controle, porque teria pago algo à Novell e não o contrário? Pela diferença na conta, está claro que a propriedade intelectual da Novell vale US$ 308 milhões a mais que a propriedade intelectual da Microsoft.

Mas, então, por que a Microsoft diz que não vai processar ninguém e que aquela ameaça de antes foi, na verdade, um gigantesco mal-entendido?

Guerra Fria

Indo por partes, o motivo mais provável para o acordo com a Novell foi garantir que, face a uma ameaça como essa, a Novell não retaliasse processando a Microsoft pelas numerosas patentes da Novell que o Active Directory provavelmente viola. Vale lembrar que a Novell vendia o NDS (Novell Directory Services) para o Windows NT muito antes da Microsoft tornar o AD parte integrante do Windows 2000. Mais ou menos tudo que o AD é hoje, o NDS era no meio da década de 90.

Outras duas grandes forças que a MS pode temer (e que tem feito grandes investimentos no Linux e em software livre) são HP e IBM. Dado o imenso portfolio de patentes das duas empresas, é impossível que a Microsoft não viole muitas dúzias delas em vários produtos. Muitas dessas patentes já devem estar cobertas por acordos de licenciamento cruzado ("você viola as minhas patentes dessa lista, eu violo as suas dessa outra lista, continuamos ganhando dinheiro e ninguém ameaça ninguém"), mas é muito difícil determinar quais patentes estão ou não cobertas por esses acordos e quais não estão. E isso vale para os dois lados.

Também seria arriscado se mover contra a Red Hat ou a Canonical (que faz o Ubuntu), uma vez que ambas têm ao seu lado tanto a Open Invention Network, um consórcio de empresas fundado na idéia de usar as patentes sob seu controle como arma de dissuasão contra qualquer parte que tentar agredir seus membros, e a Sun, que, por seu presidente Jonathan Schwartz, anunciou em seu blog que a Sun usaria as próprias patentes para defender as duas empresas.

Um dos pilares da Guerra Fria era a doutrina da Destruição Mútua Assegurada (Mutually Assured Destruction, ou MAD, em inglês). Segundo ela, se uma das superpotências iniciasse um ataque em grande escala contra outra superpotência, a retaliação seria devastadora a ponto de desencorajar o primeiro ataque. A doutrina funcionou no século passado para evitar uma guerra nuclear e funciona, hoje, para manter corporações fora de tribunais e brigas desnecessárias.

O Rabo e as Pernas

Sempre foi razoavelmente claro, para qualquer um que conheça como as coisas se movem nesse mercado, que a Microsoft nunca iria divulgar quais 235 patentes estariam sendo violadas. No mesmo dia em que elas fossem divulgadas, centenas de desenvolvedores fariam correções em seus programas que evitariam boa parte das patentes. Eu diria que o kernel ficaria limpo das 42 patentes que a Microsoft diz que foram violadas em uma questão de horas e que quem mais demoraria a se livrar do código ofensivo seriam as interfaces gráficas e o pessoal do OpenOffice. Nenhum desses esforços duraria mais de uma semana.

O maior medo da Microsoft não é esse, no entanto.

O maior medo da Microsoft é mobilizar centenas de desenvolvedores de software livre a procurar implementações mais antigas, artigos e qualquer outra informação ou objeto que invalide patentes da Microsoft. Porque boa parte das patentes deles são do mesmo quilate dessa aqui (funções diferentes de acordo com o tempo de pressionamento ou duplo-triplo clique em um mesmo botão, USPTO 6,727,830)

Eu explico. O equilíbrio de forças entre a Microsoft e várias outras empresas reside no fato dos portfólios de patentes negociados entre elas terem, mais ou menos, o mesmo valor. Se um dos lados tiver suas patentes invalidadas em massa (e nunca subestimem milhares de simpatizantes competentes e motivados), ela seria forçada a renegociar seus acordos com os outros grandes detentores de patentes a partir de posições muito menos favoráveis.

E não seriam apenas IBM e HP do outro lado da mesa. A Microsoft teria que renegociar acordos de licenciamento cruzado com várias dezenas de empresas, consórcios e grupos. Muitos outros grupos teriam que rever as tecnologias fornecidas pela Microsoft como estando protegidas por patentes dela eventualmente invalidadas. Seriam anos de renegociações, bilhões de dólares em reembolsos por pagamento indevido de royalties e em honorários de advogados, que levariam anos para desemaranhar esse novelo. Durante esse tempo, o próprio valor de todo o portfolio de patentes da Microsoft seria uma incógnita.

Por isso ela vai evitar essa briga pelo tempo que puder.

O Deboche

Meu nome é Ricardo Bánffy. Eu sou usário de Linux (42 patentes), Gnome e KDE (mais 65), e estou escrevendo esse artigo usando Quanta, rodando debaixo do X mais recente exibindo toda a glória e eye-candy do Compiz (irmão simples do Beryl, mas que faz o Windows Vista parecer ainda mais primitivo do que é de fato). O original do artigo é mantido em um servidor Zope, debaixo de Linux, servido por trás de um Apache. A versão que você está lendo provavelmenre é servida de um Wordpress, com os dados guardados em um MySQL e tudo isso atrás de outro Apache ou de um proxy Squid. Isso deve cobrir as 235 patentes.

Roubando desavergonhadamente a idéia desse pessoal, convido meus amigos a deixarem seus nomes e os programas que usam nos comentários do artigo e, claro, a se juntar àquele outro pessoal, que, dêem se os devidos créditos (e as devidas gargalhadas) pensou nisso primeiro. Obrigado ao Jean por me lembrar deles.

Assim, quando a Microsoft vier cobrar pelo uso das patentes dela, ela terá que dizer quais patentes estamos usando. Até lá, ameaças vazias não nos assustam.

Boas risadas a todos.

Ah... E um tapa na nuca do(a) Rosiney, que, às 11:07 do dia 23, colocou o nome dele(a) no título do site daquele outro pessoal. Defacement de Wiki é coisa de... deixa pra lá.

© Ricardo Bánffy

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