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A provinha do GDD, em BASIC (para micros de 8 bits)

A provinha do GDD, em BASIC (para micros de 8 bits)

Eu confesso que me diverti resolvendo a provinha do GDD. Pra quem chegou agora, foi um teste aplicado pelo pessoal da Google para filtrar inscritos no Google Developer Day. Como eles tiveram muito mais inscritos do que espaço físico comportava, fazia sentido. Embora muitos tenham reclamado, era uma prova muito simples e eu resolvi usando duas linguagens diferentes, Python e Clojure, ambas modernas.

BASIC?!

Um passatempo meu é em paleocomputação, em particular computadores obsoletos, daquelas famílias que não deixaram descendentes diretos. Eu coleciono e, quando possível, restauro, computadores antigos - se você tiver um desses, a propósito, aceito doações. Por isso, eu resolvi brincar um pouco e resolver a provinha do GDD usando um TRS-80 Model III e um Apple II (um //e enhanced, para ser mais preciso). Para tornar a minha vida mais fácil (e evitar um divórcio) eu usei emuladores em vez de computadores reais. Com isso eu pude escrever o código usando um editor de textos de verdade e "colá-lo" no emulador. Em ambas as plataformas, usei seus interpretadores BASIC embutidos na ROM.

Um outro motivo é por esse dialeto de BASIC ser uma linguagem muito mais simples e pobre de recursos do que as duas outras que eu usei nessa brincadeira. Essa simplicidade é visível nas construções que aparecem nesses programas. É interessante notar como os mecanismos de controle de fluxo do programa são mínimos e se mapeiam quase que diretamente ao que o processador entende.

O emulador

A história do emulador é, por si, interessante. Para os dois eu usei o MESS. MESS é uma derivação do MAME que pretende replicar, da forma mais precisa possível, computadores obsoletos. Como os pacotes do Ubuntu me deram algumas dores-de-cabeça, eu compilei a versão mais nova do MESS. Não é difícil e o pessoal do IRC (#messdev na EFNet) foi mais do que gentil e eu teria apanhado muito mais sem eles.

Aliás, quanto a essa coisa de IRC, se vocë desenvolve software e não usa, devia usar. IRC é como um monte de projetos são coordenados, reuniões são feitas e dúvidas tiradas. É normalmente mais rápido que listas de discussão e fórums web. Ache velho e feio por sua conta e risco. Eu não levo a sério nenhum projeto de software aberto que não tenha um canal de IRC com desenvolvedores e usuários conversando.

Mas vamos aos problemas, que são o mais interessante

1) O que esse programa faz?

x = 7
y = 4
if y > 2, then
   y = y * 2
else
   x = x * 2
print (x + y)

Em um TRS-80, faríamos assim:

10 X = 7
20 Y = 4
30 IF Y > 2 THEN Y= Y * 2 ELSE X= X * 2
40 PRINT X + Y

Mas isso seria uma estupidez. BASIC (aquele dos anos 70 e 80, pelo menos) é um ambiente interativo - você pode testar idéias de forma rápida e fácil, sem escrever programas. Um programador dos anos 80 faria assim:

X = 7
Y = 4
IF Y > 2 THEN Y= Y * 2 ELSE X= X * 2
PRINT X + Y

E, no seu TRS-80, veria isso:

TRS-80, primeira pergunta

Em um Apple II, por conta do BASIC não ter a palavra ELSE, teríamos que fazer um pouco diferente:

X = 7
Y = 4
IF Y > 2 THEN Y= Y * 2 
IF Y <= 2 THEN X= X * 2
PRINT X + Y

E veria algo como

Apple 2, primeira pergunta

Em forma de programa, no Apple II (e em qualquer caso em que precisássemos de um IF/THEN/ELSE multi-linhas), o jeito típico seria usar um GOTO:

10 X = 7
20 Y = 4
30 IF Y > 2 THEN Y= Y * 2 : GOTO 50
40 X= X * 2
50 PRINT X + Y

E teríamos isso:

Apple 2, primeira pergunta, em programa

Como a versão BASIC disse "15" e concordou com as versões Python e Lisp, eu me dou por satisfeito.

2) Quantas vezes esse programa imprime "hello"?

for i = 1 to 5
   if i != 2, then
      for j = 1 to 9
         print 'hello'

O programa ficaria assim:

10 FOR I = 1 TO 5
20 IF I <> 2 THEN FOR J = 1 TO 9: PRINT "hello": NEXT
30 NEXT

Sorte nossa o FOR J caber em uma linha.

Ainda assim, estamos com o mesmo problema que tivemos na nossa primeira tentativa (no original em Python) - que é nos obrigar a contar. Um jeito um pouco melhor ficaria assim:

10 FOR I = 1 TO 5
20 IF I <> 2 THEN FOR J = 1 TO 9: C = C + 1 : PRINT C, "hello": NEXT
30 NEXT

Alguém pode perguntar: "Qual é o valor inicial de C?". No BASIC daquele tempo variáveis do BASIC são tipadas pelo nome ("C" só pode representar um número real) e variáveis não inicializadas são zero ou, no caso de strings ("C$", por exemplo) strings vazias. Ou seja, assim que o programa começa a rodar, C é zero - e podemos contar com isso.

Se estiver incomodando muito, mas muito mesmo, digite "5 C = 0" e seja feliz. Não vai fazer mal.

Se fizermos isso no TRS-80, ficaremos com algo assim:

TRS-80, segunda pergunta

De novo, podemos ficar felizes. O programa em BASIC concorda com os outros - temos 36 (que é a resposta certa, afinal).

3) Quais números, entre 5 e 2675 são pares e divisíveis por 3?

Aqui estamos tão mal quanto o pessoal que fez com Java. Não dá pra fazer nada tão conciso quanto os exemplos em Python e em Clojure. BASIC não tem nenhuma das funcionalidades de geradores de listas que Ruby, Python, Clojure e qualquer linguagem moderna tem.

10 FOR I = 5 TO 2675
20 IF I / 3 = INT(I /3) AND I / 2 = INT(I / 2) THEN C = C + 1
30 NEXT
40 PRINT C

Quando rodar, o programa vai dizer que há 445 números assim. 

TRS-80, terceira pergunta

4) Números bonitos

A pergunta nos apresenta Barbara e seus critérios para que números sejam ou não bonitos. Para ela, números são bonitos se contiverem um dígito 4 e não contiverem um dígito 9. Ao final, nos pergunta quais números entre 14063 e 24779, inclusive, são bonitos.

Esse fica mais complicado. O BASIC que vinha nesses computadores era limitado e não permitia que o programador definisse funções além do mais trivial (uma linha, sem condições). Vamos, por isso, usar uma técnica há muito esquecida (ou que deveria ter sido) que é passar informações por meio de variáveis globais. No caso dos nossos interpretadores, todas as variáveis são globais. Mesmo quem programa em assembly pode contar com a pilha nessas horas. Em BASIC, nem isso.

Você leu direito. Programar naquele tempo não era fácil.

O esqueleto do programa fica assim:

10 FOR I = 14063 TO 24779
20 GOSUB 10000
30 IF B = 1 THEN C = C + 1
40 NEXT
50 PRINT C
60 END

Mas ainda falta o trecho que começa em 10000 que, você deve ter adivinhado, diz se o I é um número bonito e devolve um 1 em B se ele for. O que você vai ver não é bonito para nenhum valor de I, portanto, prepare-se:

10000 REM Primeiro vemos se tem um 4
10010 I$ = STR$(I)
10020 B = 0
10030 FOR J = 1 TO LEN(I$)
10040 IF MID$(I$, J, 1) = "4" THEN B = 1
10050 NEXT
10060 IF B = 0 THEN RETURN
10070 REM Se tem um 4, procuramos um 9
10080 FOR J = 1 TO LEN(I$)
10090 IF MID$(I$, J, 1) = "9" THEN B = 0
10100 NEXT
10110 RETURN

Após um longo tempo, seu computador vai dizer que são 3047 números bonitos:

Apple 2, quarta pergunta

Nesse ponto, estou começando a achar que eu era mais inteligente nos anos 80. O malabarismo mental de lembrar que variável guarda o que e em que partes do programa essas coisas são alteradas é complicado. E é um bom exercício.

5) Os telefones

A última pergunta nos apresenta um país em que os números de telefone têm 6 dígitos. Números não podem ter dois dígitos consecutivos idênticos, porque isso é caído. A soma dos dígitos tem de ser par, porque isso é legal e o último dígito não pode ser igual ao primeiro, porque isso dá azar.

Vamos começar pelas sub-rotinas. A primeira, para ver se o número de telefone é caído:

10000 REM ve se N$ e caido. Se for, C = 1
10010 C = 0
10020 FOR J = 1 TO LEN(N$) -1
10030 IF MID$(N$, J, 1) = MID$(N$, J + 1, 1) THEN C = 1
10040 NEXT
10050 RETURN

Depois, vendo se ele dá azar:

11000 REM se N$ der azar, A = 1
10010 A = 0
10020 IF LEFT$(N$, 1) = RIGHT$(N$, 1) THEN A = 1
10030 RETURN

E, por fim, se ele é legal:

12000 REM se N$ for legal, L = 1
12010 L = 0: S = 0
12020 FOR J = 1 TO LEN(N$)
12030 S = S + VAL(MID$(N$, J, 1))
12040 NEXT
12050 IF S / 2 = INT(S / 2) THEN L = 1
12060 RETURN

Vale a pena notar um padrão - como todas as variáveis são globais, é preciso tomar cuidado para que um pedaço do programa não estrague o outro. Nessas subrotinas meu habitual "FOR I" passou a ser "FOR J" para que meu loop da sub-rotina não estrague o loop principal. Eu podia também ter reutilizado o L como acumulador da soma e não estragar o S com isso.

O bloco principal

10 FOR I = 1 TO 200
20 READ N$
30 GOSUB 10000
40 GOSUB 11000
50 GOSUB 12000
60 IF C = 0 AND A = 0 AND L = 1 THEN Q = Q + 1
70 NEXT
80 PRINT Q
90 END

Só temos um problema - de onde virão os 200 números? O comando READ, na linha 20, lê um valor de uma série de dados literais embutidos no código. Assim, adicionamos uma série de linhas a partir da linha 1000, cada uma com um comando DATA e uma série de strings. Montamos essa linha com um pouco de mágica de copy e paste e busca e troca.

Sim, eu poderia ter pulado os testes depois do primeiro eliminar o número, assim como ter começado com o teste da linha 12000, que é mais simples e rápido. Os algorítmos poderiam ser melhores também e eu poderia ter usado variáveis inteiras onde possível para que os programas rodassem mais rápido.

São 40 linhas com essa cara:

1000 REM Os numeros que precisamos filtrar
1010 DATA "214966", "215739", "220686", "225051", "225123"
...
1400 DATA "715315", "720200", "720202", "720568", "720576"

Quando rodamos o programa, temos a resposta esperada (já fizemos isso algumas vezes, afinal).

TRS-80, quinta perguntaApple 2, quinta pergunta

TRS-80 e Apple II concordam. 61 parece um bom número.

Isso era mesmo necessário?

Não. Eu não precisava ter feito isso nem mesmo uma vez. A primeira eu fiz porque achei as perguntas interessantes. Muitas e muitas vezes eu já entrevistei pessoas incapazes de escrever um programa de 5 linhas sem ajuda de um Google e, francamente, estou tentado a propor testes formais antes mesmo de um humano colocar os olhos em um currículo. O em Clojure foi motivado pelo contorcionismo sintático de expressar um algoritmo em um cruzamento de Ruby e JavaScript. Esse último veio pelo meu interesse em emuladores, pelo meu interesse em computadores antigos e por eu achar que aprender a programar com um computador de 8 bits é divertido. A simplicidade desses computadores facilita ao novato entender, direito, tudo o que acontece dentro deles nem. Não há compiladores cuidando de você e otimizando código ineficiente. Não há milhares de linhas de código de um kernel distribuindo tempo do processador por dezenas de processos. Tudo é bem simples e acontece do jeito que você mandou.

E, na hora de aprender, simples é bom.

Acho que o próximo precisa ser em FORTH. Vou começar a procurar um dialeto legal pra brincar.

E quanto a você?

Se você quiser brincar com um BASIC antigo, eu recomendo que comece lendo os manuais. Manuais do Apple II e do TRS-80 são fáceis de achar. Outra coisa: eu tomei cuidado de escrever esses programas de modo a eles serem portáteis - você pode usá-los em seu Prológica, Microdigital, ou Unitron. Deve poder rodá-los no seu Atari XL ou no seu Commodore 64. Não testei em todos.

Se você achar a brincadeira (é uma brincadeira - ninguém vai pagar vocë por saber programar um computador de 30 anos de idade) legal, compre um computador antigo e cuide dele. Limpe, conserte. Essas máquinas não vão durar para sempre e marcam o momento importante que essa tecnologia deu: quando deixou de ser aquela máquina que vivia fechada em uma sala e passou a ser aquela que tínhamos em casa. Como disse um especialista da Christies sobre o Apple I que foi leiloado esses dias, "é um pedaço de plástico verde que mudou nossas vidas".

Precisamos cuidar deles.

Mais uma coisa: não me escapou o fato de que esses dois BASICs que eu usei são produtos da Microsoft. Ela fazia coisas bem legais nos anos 70.

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Um passo pequeno

Posted by Ricardo Bánffy at Nov 13, 2008 10:50 PM |

Fiz ontem uma pequena mudança aqui - acrescentei uma imagem de fundo à barra de topo.

OK. Não é tão menos "plônico" do que o que estava lá antes (ou seja, o site ainda se parece muito com um Plone "recém saído da caixa"), mas é um começo.

A imagem da barra tem sua própria relação com o nome do site. "Dieblinkenlights" é uma referência ao jargão hacker, onde "blinkenlights" eram aquelas luzinhas que os computadores mais antigos tinham e que serviam para se "olhar dentro" da CPU e ver exatamente o que estava acontecendo nela. À medida em que computadores ficavam mais rápidos as luzes e os painéis foram sendo substituídos por consoles com terminais, primeiro com impressoras e depois com CRTs. Isso também indica que ninguém pronuncia essa palavra há várias décadas.

O terminal da foto está no meio desses dois mundos. É um terminal 2260 da IBM, ligado a um mainframe da série 360 (que ainda tinham painéis com luzes). A foto data de 1975 e foi tirada em um dos laboratórios da faculdade de ciência da computação da universidade de Waterloo no Canadá.

Espero que eles não me mandem tirar a foto do cabeçalho. O site precisava dela.

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