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A provinha do GDD, em BASIC (para micros de 8 bits)

A provinha do GDD, em BASIC (para micros de 8 bits)

Eu confesso que me diverti resolvendo a provinha do GDD. Pra quem chegou agora, foi um teste aplicado pelo pessoal da Google para filtrar inscritos no Google Developer Day. Como eles tiveram muito mais inscritos do que espaço físico comportava, fazia sentido. Embora muitos tenham reclamado, era uma prova muito simples e eu resolvi usando duas linguagens diferentes, Python e Clojure, ambas modernas.

BASIC?!

Um passatempo meu é em paleocomputação, em particular computadores obsoletos, daquelas famílias que não deixaram descendentes diretos. Eu coleciono e, quando possível, restauro, computadores antigos - se você tiver um desses, a propósito, aceito doações. Por isso, eu resolvi brincar um pouco e resolver a provinha do GDD usando um TRS-80 Model III e um Apple II (um //e enhanced, para ser mais preciso). Para tornar a minha vida mais fácil (e evitar um divórcio) eu usei emuladores em vez de computadores reais. Com isso eu pude escrever o código usando um editor de textos de verdade e "colá-lo" no emulador. Em ambas as plataformas, usei seus interpretadores BASIC embutidos na ROM.

Um outro motivo é por esse dialeto de BASIC ser uma linguagem muito mais simples e pobre de recursos do que as duas outras que eu usei nessa brincadeira. Essa simplicidade é visível nas construções que aparecem nesses programas. É interessante notar como os mecanismos de controle de fluxo do programa são mínimos e se mapeiam quase que diretamente ao que o processador entende.

O emulador

A história do emulador é, por si, interessante. Para os dois eu usei o MESS. MESS é uma derivação do MAME que pretende replicar, da forma mais precisa possível, computadores obsoletos. Como os pacotes do Ubuntu me deram algumas dores-de-cabeça, eu compilei a versão mais nova do MESS. Não é difícil e o pessoal do IRC (#messdev na EFNet) foi mais do que gentil e eu teria apanhado muito mais sem eles.

Aliás, quanto a essa coisa de IRC, se vocë desenvolve software e não usa, devia usar. IRC é como um monte de projetos são coordenados, reuniões são feitas e dúvidas tiradas. É normalmente mais rápido que listas de discussão e fórums web. Ache velho e feio por sua conta e risco. Eu não levo a sério nenhum projeto de software aberto que não tenha um canal de IRC com desenvolvedores e usuários conversando.

Mas vamos aos problemas, que são o mais interessante

1) O que esse programa faz?

x = 7
y = 4
if y > 2, then
   y = y * 2
else
   x = x * 2
print (x + y)

Em um TRS-80, faríamos assim:

10 X = 7
20 Y = 4
30 IF Y > 2 THEN Y= Y * 2 ELSE X= X * 2
40 PRINT X + Y

Mas isso seria uma estupidez. BASIC (aquele dos anos 70 e 80, pelo menos) é um ambiente interativo - você pode testar idéias de forma rápida e fácil, sem escrever programas. Um programador dos anos 80 faria assim:

X = 7
Y = 4
IF Y > 2 THEN Y= Y * 2 ELSE X= X * 2
PRINT X + Y

E, no seu TRS-80, veria isso:

TRS-80, primeira pergunta

Em um Apple II, por conta do BASIC não ter a palavra ELSE, teríamos que fazer um pouco diferente:

X = 7
Y = 4
IF Y > 2 THEN Y= Y * 2 
IF Y <= 2 THEN X= X * 2
PRINT X + Y

E veria algo como

Apple 2, primeira pergunta

Em forma de programa, no Apple II (e em qualquer caso em que precisássemos de um IF/THEN/ELSE multi-linhas), o jeito típico seria usar um GOTO:

10 X = 7
20 Y = 4
30 IF Y > 2 THEN Y= Y * 2 : GOTO 50
40 X= X * 2
50 PRINT X + Y

E teríamos isso:

Apple 2, primeira pergunta, em programa

Como a versão BASIC disse "15" e concordou com as versões Python e Lisp, eu me dou por satisfeito.

2) Quantas vezes esse programa imprime "hello"?

for i = 1 to 5
   if i != 2, then
      for j = 1 to 9
         print 'hello'

O programa ficaria assim:

10 FOR I = 1 TO 5
20 IF I <> 2 THEN FOR J = 1 TO 9: PRINT "hello": NEXT
30 NEXT

Sorte nossa o FOR J caber em uma linha.

Ainda assim, estamos com o mesmo problema que tivemos na nossa primeira tentativa (no original em Python) - que é nos obrigar a contar. Um jeito um pouco melhor ficaria assim:

10 FOR I = 1 TO 5
20 IF I <> 2 THEN FOR J = 1 TO 9: C = C + 1 : PRINT C, "hello": NEXT
30 NEXT

Alguém pode perguntar: "Qual é o valor inicial de C?". No BASIC daquele tempo variáveis do BASIC são tipadas pelo nome ("C" só pode representar um número real) e variáveis não inicializadas são zero ou, no caso de strings ("C$", por exemplo) strings vazias. Ou seja, assim que o programa começa a rodar, C é zero - e podemos contar com isso.

Se estiver incomodando muito, mas muito mesmo, digite "5 C = 0" e seja feliz. Não vai fazer mal.

Se fizermos isso no TRS-80, ficaremos com algo assim:

TRS-80, segunda pergunta

De novo, podemos ficar felizes. O programa em BASIC concorda com os outros - temos 36 (que é a resposta certa, afinal).

3) Quais números, entre 5 e 2675 são pares e divisíveis por 3?

Aqui estamos tão mal quanto o pessoal que fez com Java. Não dá pra fazer nada tão conciso quanto os exemplos em Python e em Clojure. BASIC não tem nenhuma das funcionalidades de geradores de listas que Ruby, Python, Clojure e qualquer linguagem moderna tem.

10 FOR I = 5 TO 2675
20 IF I / 3 = INT(I /3) AND I / 2 = INT(I / 2) THEN C = C + 1
30 NEXT
40 PRINT C

Quando rodar, o programa vai dizer que há 445 números assim. 

TRS-80, terceira pergunta

4) Números bonitos

A pergunta nos apresenta Barbara e seus critérios para que números sejam ou não bonitos. Para ela, números são bonitos se contiverem um dígito 4 e não contiverem um dígito 9. Ao final, nos pergunta quais números entre 14063 e 24779, inclusive, são bonitos.

Esse fica mais complicado. O BASIC que vinha nesses computadores era limitado e não permitia que o programador definisse funções além do mais trivial (uma linha, sem condições). Vamos, por isso, usar uma técnica há muito esquecida (ou que deveria ter sido) que é passar informações por meio de variáveis globais. No caso dos nossos interpretadores, todas as variáveis são globais. Mesmo quem programa em assembly pode contar com a pilha nessas horas. Em BASIC, nem isso.

Você leu direito. Programar naquele tempo não era fácil.

O esqueleto do programa fica assim:

10 FOR I = 14063 TO 24779
20 GOSUB 10000
30 IF B = 1 THEN C = C + 1
40 NEXT
50 PRINT C
60 END

Mas ainda falta o trecho que começa em 10000 que, você deve ter adivinhado, diz se o I é um número bonito e devolve um 1 em B se ele for. O que você vai ver não é bonito para nenhum valor de I, portanto, prepare-se:

10000 REM Primeiro vemos se tem um 4
10010 I$ = STR$(I)
10020 B = 0
10030 FOR J = 1 TO LEN(I$)
10040 IF MID$(I$, J, 1) = "4" THEN B = 1
10050 NEXT
10060 IF B = 0 THEN RETURN
10070 REM Se tem um 4, procuramos um 9
10080 FOR J = 1 TO LEN(I$)
10090 IF MID$(I$, J, 1) = "9" THEN B = 0
10100 NEXT
10110 RETURN

Após um longo tempo, seu computador vai dizer que são 3047 números bonitos:

Apple 2, quarta pergunta

Nesse ponto, estou começando a achar que eu era mais inteligente nos anos 80. O malabarismo mental de lembrar que variável guarda o que e em que partes do programa essas coisas são alteradas é complicado. E é um bom exercício.

5) Os telefones

A última pergunta nos apresenta um país em que os números de telefone têm 6 dígitos. Números não podem ter dois dígitos consecutivos idênticos, porque isso é caído. A soma dos dígitos tem de ser par, porque isso é legal e o último dígito não pode ser igual ao primeiro, porque isso dá azar.

Vamos começar pelas sub-rotinas. A primeira, para ver se o número de telefone é caído:

10000 REM ve se N$ e caido. Se for, C = 1
10010 C = 0
10020 FOR J = 1 TO LEN(N$) -1
10030 IF MID$(N$, J, 1) = MID$(N$, J + 1, 1) THEN C = 1
10040 NEXT
10050 RETURN

Depois, vendo se ele dá azar:

11000 REM se N$ der azar, A = 1
10010 A = 0
10020 IF LEFT$(N$, 1) = RIGHT$(N$, 1) THEN A = 1
10030 RETURN

E, por fim, se ele é legal:

12000 REM se N$ for legal, L = 1
12010 L = 0: S = 0
12020 FOR J = 1 TO LEN(N$)
12030 S = S + VAL(MID$(N$, J, 1))
12040 NEXT
12050 IF S / 2 = INT(S / 2) THEN L = 1
12060 RETURN

Vale a pena notar um padrão - como todas as variáveis são globais, é preciso tomar cuidado para que um pedaço do programa não estrague o outro. Nessas subrotinas meu habitual "FOR I" passou a ser "FOR J" para que meu loop da sub-rotina não estrague o loop principal. Eu podia também ter reutilizado o L como acumulador da soma e não estragar o S com isso.

O bloco principal

10 FOR I = 1 TO 200
20 READ N$
30 GOSUB 10000
40 GOSUB 11000
50 GOSUB 12000
60 IF C = 0 AND A = 0 AND L = 1 THEN Q = Q + 1
70 NEXT
80 PRINT Q
90 END

Só temos um problema - de onde virão os 200 números? O comando READ, na linha 20, lê um valor de uma série de dados literais embutidos no código. Assim, adicionamos uma série de linhas a partir da linha 1000, cada uma com um comando DATA e uma série de strings. Montamos essa linha com um pouco de mágica de copy e paste e busca e troca.

Sim, eu poderia ter pulado os testes depois do primeiro eliminar o número, assim como ter começado com o teste da linha 12000, que é mais simples e rápido. Os algorítmos poderiam ser melhores também e eu poderia ter usado variáveis inteiras onde possível para que os programas rodassem mais rápido.

São 40 linhas com essa cara:

1000 REM Os numeros que precisamos filtrar
1010 DATA "214966", "215739", "220686", "225051", "225123"
...
1400 DATA "715315", "720200", "720202", "720568", "720576"

Quando rodamos o programa, temos a resposta esperada (já fizemos isso algumas vezes, afinal).

TRS-80, quinta perguntaApple 2, quinta pergunta

TRS-80 e Apple II concordam. 61 parece um bom número.

Isso era mesmo necessário?

Não. Eu não precisava ter feito isso nem mesmo uma vez. A primeira eu fiz porque achei as perguntas interessantes. Muitas e muitas vezes eu já entrevistei pessoas incapazes de escrever um programa de 5 linhas sem ajuda de um Google e, francamente, estou tentado a propor testes formais antes mesmo de um humano colocar os olhos em um currículo. O em Clojure foi motivado pelo contorcionismo sintático de expressar um algoritmo em um cruzamento de Ruby e JavaScript. Esse último veio pelo meu interesse em emuladores, pelo meu interesse em computadores antigos e por eu achar que aprender a programar com um computador de 8 bits é divertido. A simplicidade desses computadores facilita ao novato entender, direito, tudo o que acontece dentro deles nem. Não há compiladores cuidando de você e otimizando código ineficiente. Não há milhares de linhas de código de um kernel distribuindo tempo do processador por dezenas de processos. Tudo é bem simples e acontece do jeito que você mandou.

E, na hora de aprender, simples é bom.

Acho que o próximo precisa ser em FORTH. Vou começar a procurar um dialeto legal pra brincar.

E quanto a você?

Se você quiser brincar com um BASIC antigo, eu recomendo que comece lendo os manuais. Manuais do Apple II e do TRS-80 são fáceis de achar. Outra coisa: eu tomei cuidado de escrever esses programas de modo a eles serem portáteis - você pode usá-los em seu Prológica, Microdigital, ou Unitron. Deve poder rodá-los no seu Atari XL ou no seu Commodore 64. Não testei em todos.

Se você achar a brincadeira (é uma brincadeira - ninguém vai pagar vocë por saber programar um computador de 30 anos de idade) legal, compre um computador antigo e cuide dele. Limpe, conserte. Essas máquinas não vão durar para sempre e marcam o momento importante que essa tecnologia deu: quando deixou de ser aquela máquina que vivia fechada em uma sala e passou a ser aquela que tínhamos em casa. Como disse um especialista da Christies sobre o Apple I que foi leiloado esses dias, "é um pedaço de plástico verde que mudou nossas vidas".

Precisamos cuidar deles.

Mais uma coisa: não me escapou o fato de que esses dois BASICs que eu usei são produtos da Microsoft. Ela fazia coisas bem legais nos anos 70.

Read More…

A prova do GDD, em Lisp

Outro dia assisti a uma palestra sobre Hadoop e MapReduce. Todos os exemplos foram dados em um pseudocódigo que misturava Ruby com JavaScript enquanto, na minha cabeça, eu os re-escrevia de um jeito que funcionassem de verdade em Python (eu trabalho com isso). Como no meu último post eu já resolvi a provinha do Google Developer Day usando Python (e usei uma função anônima e um filter, vejam só), eu fiquei com a coceira enorme de refazer essas perguntas com Lisp (já que ela expressa maps e reduces como ninguém mais).

No meu laptop eu tenho uns 4 dialetos de Lisp diferentes (não existe uma "implementação canônica" como no caso de Python ou Ruby). Para brincar aqui, eu escolhi Clojure. Clojure é um dialeto de Lisp que roda sobre a máquina virtual do Java (Java é o COBOL do século XXI e provavelmente do XXII, mas a VM e toda a infra-estrutura dela são muito legais). Outro motivo é que o meu Emacs (o IDE to rule them all) está ligado ao Clojure pelo Slime. Eu instalei ambos (Clojure e Slime) com o ELPA, o gerenciador de add-ons do Emacs e, com uma gambiarra e dois symlinks, estou usando o Clojure 1.2 em vez do 1.1 (que é a versão que o ELPA oferece por hora). Eu podia ter tentado usar o Emacs Lisp (o Emacs é quase todo escrito em Emacs Lisp e um REPL dele está sempre disponível), mas ele não é nem um Lisp moderno, nem particularmente gostoso de usar. Podia ter usado Scheme (e provavelmente o resultado seria mais elegante), mas achei que, por rodar na JVM, Clojure é mais "sexy". Qualquer coisa que evite que alguém tenha que escrever código em Java é uma Coisa Boa que merece ser incentivada.

Aqui cabe uma observação: várias linguagens - Scala, Jython, JRuby - permitem que seus programas rodem dentro de máquinas virtuais Java. Todas elas permitem, também, que você use classes que fazem parte tanto do Java propriamente dito como de outros programas nos quais você talvez precise adicionar alguma funcionalidade. A produtividade individual de um desenvolvedor experiente usando uma linguagem como Python e Ruby (dos quais Jython e JRuby são dialetos) já foi observada como sendo superior à de um desenvolvedor igualmente experiente usando Java. Em outras palavras: se você está usando Java você devia dar uma olhada em linguagens mais produtivas.

E isso vale para C#/.NET. Ninguém deveria usar essas tranqueiras.

A propósito, se você quiser ver a resolução da provinha em Jython, vá à outra versão do artigo. É absolutamente a mesma coisa.

Voltando à prova, resolvê-la deu um pouco de trabalho, provavelmente porque eu ainda estou começando a aprender Clojure (o Clojure Programming/Examples/Cookbook e o livro Programming Clojure, de Stuart Halloway tem ambos sido companhia constante aqui - e são bons mesmo como uma introdução ao Lisp - e o The Joy of Clojure é o próximo no wish-list, para assim que estiver pronto) e porque lembro muito pouco de outros dialetos de Lisp (e o pouco que eu lembro, parece, mais atrapalha do que ajuda).

Aviso muito importante: Eu disse isso acima, mas preciso repetir: estou aprendendo Clojure. Posso ter feito alguma barbaridade sem saber. Mais: não fiz qualquer tentativa de otimizar o código exceto para concisão e legibilidade. Também não fiz TDD. E, por favor, não considere meu estilo pessoal como algo que seja bem-vindo (ou mesmo socialmente aceito) entre programadores Lisp ou Clojure. Aceite meus conselhos por sua conta e risco e não me culpe de nada.

Agora que você foi adequadamente avisado, vamos à provinha:

1) O que esse programa faz?

x = 7
y = 4
if y > 2, then
   y = y * 2
else
   x = x * 2
print (x + y)

No REPL do Clojure, eu fiz assim:

user> (def x 7)
#'user/x
user> (def y 4) 
#'user/y
user> (if (> y 2) (def y (* 2 y)) (def x (* 2 x)))
#'user/y
user> (+ x y)
15

O programa do exercício imprime "15".

2) Quantas vezes esse programa imprime "hello"?

Na linguagem do exercício os loops incluem as extremidades.

for i = 1 to 5
   if i != 2, then
      for j = 1 to 9
         print 'hello'

Vou fingir que, de olhar o pseudocódigo, não dá pra sacar que o programa roda 4 vezes o loop interno e imprime "hello" 36 vezes.

Em Clojure, não temos loops como em Python (ou C, ou quase qualquer outra linguagem desse time). Vamos usar uma list comprehension com o efeito colateral de imprimir coisas na tela.

(for [
        i (range 1 6) 
        j (range 1 10)
     ] 
     (if (not= i 2) 
         (println "hello")
     )
)

Ou, de um jeito um pouco mais Clojure, usando a cláusula ":when" no binding dos ranges no lugar do "jeito C de fazer" com o if dentro do bloco:

(for [
      i (range 1 6) 
      j (range 1 10)
      :when (not= i 2) 
      ] 
  (println "hello")
  )

Executando isso no REPL, ele vai imprimir os "hello"s (como o exemplo em Python fez) entrecortados pelo retorno da list comprehension (que o Python não fez) e isso é chato de contar (ainda mais chato do que o exemplo do Python). Do mesmo jeito que eu fiz com Python, eu vou usar um contador. Como o Clojure abraça a idéia de programação sem efeitos-colaterais e memória transacional, você precisa envolver a coisa cujo estado você pretende alterar em um pouco de burocracia. Famos criar um contador mutável que pode ter seu valor alterado durante a execução do programa.

(def contador (ref 0))

E, com isso, nosso código fica assim:

user> (def contador (ref 0))
(for [
      i (range 1 6)
      j (range 1 10)
      :when (not= i 2)
      ]
  (println (dosync (alter contador inc)) "hello")
  )

A função "dosync" cuida da transação (eu poderia alterar várias variáveis de uma vez) e "alter" faz a alteração propriamente dita do dado que está na referência "contador". "dosync" nos devolve o resultado da última coisa que ele fez, que foi incrementar o contador. Agora, na janela do REPL, vemos algo como:

32 hello
33 hello
34 hello
35 hello
36 hello
nil nil nil nil nil nil nil nil nil nil)
user>

Que é exatamente o que nós queríamos. Agora sabemos que o programa imprime "hello" 36 vezes. Se tivéssemos compilado o programa e o executado a partir de um shell, não veríamos os "nil"s (que só são mostrados pelo REPL porque são o retorno de da função println agrupados pelo for - que retorna uma lista com os resultados).

Poderíamos ter sido mais espertos e simplesmente contado o comprimento da lista que o for nos deu (o monte de "nil"s que atrapalha a leitura da nossa saída), mas isso é para o próximo exercício.

3) Quais números, entre 5 e 2675 são pares e divisíveis por 3?

O exercício diz que eu posso escrever um programa para isso. Eu não fiz isso com Python e ainda não preciso fazer isso com Lisp. Tenho uma pontinha de dó de quem precisa.

user> (count (for [n (range 5 2676) :when (and (= (mod n 3) 0) (even? n))] n))
445

Que foi porco da primeira vez e continua porco agora. Quem leu o primeiro post (ou estava acordado no ginásio) sabe que se um número é par e divisível por 3, ele é divisível por 6. Assim, podemos usar o mesmo truque que usamos com Python na nossa solução:

user> (count (for [n (range 5 2676) :when (= (mod n 6) 0)] n))
445

Eu só sinto saudade da função "even?" da primeira implementação. É legal.

4) Números bonitos

A pergunta nos apresenta Barbara e seus critérios para que números sejam ou não bonitos. Para ela, números são bonitos se contiverem um dígito 4 e não contiverem um dígito 9. Ao final, nos pergunta quais números entre 14063 and 24779, inclusive, são bonitos.

Agora eu vou usar um pedaço do Clojure que não vem carregado, mas que é muito útil: uma biblioteca de manipulação de strings. Para usá-la, vamos fazer:

user> (use 'clojure.contrib.string)
WARNING: repeat already refers to: #'clojure.core/repeat in namespace: user,
 being replaced by: #'clojure.contrib.string/repeat
WARNING: butlast already refers to: #'clojure.core/butlast in namespace: user, 
being replaced by: #'clojure.contrib.string/butlast
WARNING: reverse already refers to: #'clojure.core/reverse in namespace: user, 
being replaced by: #'clojure.contrib.string/reverse
WARNING: get already refers to: #'clojure.core/get in namespace: user, 
being replaced by: #'clojure.contrib.string/get
WARNING: partition already refers to: #'clojure.core/partition in namespace: user, 
being replaced by: #'clojure.contrib.string/partition
WARNING: drop already refers to: #'clojure.core/drop in namespace: user, 
being replaced by: #'clojure.contrib.string/drop
WARNING: take already refers to: #'clojure.core/take in namespace: user, 
being replaced by: #'clojure.contrib.string/take
nil

Os warnings dizem que ela mudou o comportamento de algumas coisas que já estavam disponíveis. Não se preocupe com isso: só queremos a função "substring?". Agora, para saber quantos são bonitos, vamos começar com uma função que decide se um número é bonito ou não:

user> user> (defn bonito? [x]
        (and
         (substring? "4" (str x))
         (not(substring? "9" (str x)))
         ))
#'user/bonito?

Por favor, ignore que eu converti x duas vezes para uma string. Eu otimizo para legibilidade. Outra coisa: eu poderia ter usado .indexOf diretamente ou usá-lo para fazer meu próprio "substring?", mas como clojure.contrib é parte do Clojure, eu acho melhor não duplicar o que é parte do pacote.

Agora temos um "bonito" no nosso namespace. Vamos testá-la, para ver se  fizemos tudo direito:

user> (bonito? 4)
true
user> (bonito? 9)
false
user> (bonito? 49)
false
user> (bonito? 1941)
false

Daí, basta aplicá-la usando a mesma técnica que usamos no problema anterior:

user> (count (for [
           n (range 14063 24780) 
           :when (bonito? n)]
           n))
3047

Se você preferir, pode dispensar a função:

user> (count (for [
           n (range 14063 24780) 
           :when (and (substring? "4" (str n)) 
                      (not(substring? "9" (str n)))) ]
           n))

E tem um jeito ainda mais curto, usando a função "filter".

user> (count (filter bonito? (range 14063 24780)))
3047

E, se eu quiser tornar a coisa um pouco mais obscura usando uma função anônima:

user> (count (filter (fn [n] (and (substring? "4" (str n))
                             (not(substring? "9" (str n))))) 
                     (range 14063 24780)))
3047

Apesar das aparências, funções anônimas não existem para atrapalhar a legibilidade do seu código mas para que você possa construí-las somente quando necessário e passá-las como parâmetro para outras funções que vão fazer coisas com elas.

5) Os telefones

A última pergunta nos apresenta um país em que os números de telefone têm 6 dígitos. Números não podem ter dois dígitos consecutivos idênticos, porque isso é caído. A soma dos dígitos tem de ser par, porque isso é legal e o último dígito não pode ser igual ao primeiro, porque isso dá azar.

Vamos começar com os caídos. Ao contrário do nosso exemplo em Python, eu preciso me preocupar com os limites dos índices. (nth "abcdef" -1) não é aceitável em Clojure.

user> (defn caido? [n] 
        (some true? (for 
                     [i (range (- (count (str n)) 1))]
                     (= (nth (str n) i) (nth (str n) (+ 1 i)))
                     )))
#'user/caido?

Camos fazer alguns testes para ver se estamos encontrando números caídos:

user> (caido? 123456)
nil
user> (caido? 122345)
true
user> (caido? 123451)
nil

Observe que, ao contrário da solução em Python (que tem um bug, aliás) a função que identifica números caídos não identifica números que não são caídos mas que dão azar como se fossem caídos.

Vamos precisar, então, escrever uma função para os que dão azar. Essa é fácil:

user> (defn da-azar? [n]
        (= (first (str n)) (last (str n))))
#'user/da-azar?

Só para ter certeza do que fizemos:

user> (da-azar? 123456)
false
user> (da-azar? 623456)
true
E, finalmente, uma para os números legais:
user> (defn legal? [n] 
        (even? 
         (reduce + 
                  (map (fn [s] (Integer/parseInt s)) 
                       (for [c (str n)] (str c))))))
#'user/legal?

Aqui eu preciso dizer uma coisa: tem que existir um jeito melhor de invocar o método estático parseInt de Integer. Essa cicatriz entre o lado Lisp e o lado Java está muito feia.

Voltando ao exercício, vamos testar nossa função para termos certeza de que não fizemos nada errado:

user> (legal? 12)
false
user> (legal? 55)
true
Com as três na mão, basta usarmos duas no nosso critério:
user> (count (for [n (range 100000 1000000)
           :when (and (legal? n)
                      (not (da-azar? n))
                      (not (caido? n)))]
           n))
238500

Mas o exercício não perguntou quantos caídos entre 100000 e 999999. Eles nos deu uma lista. Com um pouco de mágica de clipboard, colocamos os números em uma string, que quebramos e fazemos uma lista:

user> (def tudo "214966
215739
220686
225051
225123
(...)
720202
720568
720576
")
#'user/tudo
user> tudo
"214966\n215739\n220686\n225051\n225123\n...720202\n720568\n720576\n"
user> (def numeros (split-lines tudo))
#'user/numeros
user> numeros
("214966" "220686" "225051" "225123"..."720202" "720568" "720576")
user> (count numeros)
200

Então, usamos a lista e chegamos no resultado:

user> (count (for [n numeros
           :when (and (legal? n)
                      (not (da-azar? n))
                      (not (caido? n)))]
           n))
61

61 de 200 é o resultado que tivemos antes. Se erramos, erramos duas vezes do mesmo jeito.

Não doeu tanto assim, doeu?

Muitos programadores morrem de medo de Lisp. Morrem de medo, vêm um monte de parênteses, acham confuso e desistem. Lisp é uma linguagem muito interessante - a mais antiga ainda em uso - e impõe uma certa disciplina que é útil para qualquer programador. Robert "Uncle Bob" Martin recomenda que todo programador profissional aprenda uma linguagem "diferente" das que conhece por ano. A analogia que ele faz é interessante: um carpinteiro que só sabe fazer banquinhos de pinho não é um bom carpinteiro. Ele precisa aprender a trabalhar com outros tipos de madeira e a fazer outros tipos de móvel.

Se tudo o que você sabe fazer são sites em PHP ou módulos de ERP em C#, talvez seja hora de pensar em aprender algo novo.

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A "provinha" do Google Developer Day

Algumas pessoas acharam estranho o processo de inscrição para o Google Developer Day. Nas edições anteriores, você preenchia um formulário, contava o que você fazia e onde trabalhava e ficava nisso. Os primeiros a se inscreverem iriam ao evento e pronto. Os menos atentos ganhavam a lista de espera. Agora, além do formulário, você tem que mandar um currículo e resolver alguns problemas que exigem familiaridade com alguma ferramenta de programação.

Não sei se foi essa a intenção da Google, mas, com esse processo de inscrição, eles têm seus dados de contato, seu currículo e sua avaliação em uma prova.

Mas não se anime. Essa prova não deve ser a que o RH do Google usa. Eu, pessoalmente, acredito que ela apenas existe para separar quem vai entender alguma coisa do GDD de quem não vai entender nada e evitar, com isso, que gente que poderia melhor aproveitar o evento fique de fora.

Agora que as inscrições foram fechadas e o prazo para a entrega das provas terminou, eu me sinto à vontade para publicar esse post.

A prova

A prova tem 5 questões, um pouco diferentes para cada candidato. Eu não sei se foi honesto, mas eu resolvi as minhas com uma janela e um interpretador Python do lado. E eu vou fazer o mesmo aqui.

O que esse programa faz?

x = 7
y = 4
if y > 2, then
   y = y * 2
else
   x = x * 2
print (x + y)

Esse é facil. Na janela do ipython:

In [1]: x = 7

In [2]: y = 4

In [3]: if y > 2:
   ...:     y = y * 2
   ...: else:
   ...:     x = x * 2
   ...:     
   ...:     

In [4]: x + y
Out[4]: 15

Quantas vezes esse programa imprime "hello"?

Uma observação: os loops incluem as extremidades.

for i = 1 to 5
   if i != 2, then
      for j = 1 to 9
         print 'hello'

De novo, com o mesmo truque (só que em Python, o range não inclui a extremidade maior):

In [1]: for i in range(1, 6):
   ...:     if i != 2:
   ...:         for j in range(1, 10):
   ...:             print 'hello'
   ...:             
   ...:             
hello
hello
hello
hello
...

Erm... Chato assim. Vamos tentar de outro jeito

In [1]: linha = 1

In [2]: for i in range(1, 6):
   ...:     if i != 2:
   ...:         for j in range(1, 10):
   ...:             print linha, 'hello'
   ...:             linha += 1
   ...:             
   ...:             
1 hello
2 hello
3 hello
4 hello
(...)
36 hello

Agora sim. Mesmo sem o computador, de olhar dá pra sacar que o primeiro loop roda 5 vezes e o segundo, 9. Como a condição que pula o segundo loop pula uma iteração (nem todos os testes fazem isso), o programa imprime 4 x 9 hello's.

Quais números, entre 5 e 2675 são pares e divisíveis por 3?

O exercício diz que eu posso escrever um programa para isso. Deve ser pra acomodar o pessoal que não vive sem um compilador.

In [1]: len([ n for n in range(5, 2676) if n % 2 == 0 and n % 3 == 0 ])
Out[1]: 445

Mas isso foi porco. Quem estava acordado no ginásio vai lembrar que se um número é par (divisível por 2 - essa é do primário) e divisível por 3, ele é divisível por 6. Assim, podemos simplificar nossa solução:

In [2]: len([ n for n in range(5, 2676) if n % 6 == 0 ])
Out[2]: 445

Podemos respirar aliviados agora que vimos que o resultado continua o mesmo.

Números bonitos

A pergunta nos apresenta Barbara e seus critérios para que números sejam ou não bonitos. Para ela, números são bonitos se contiverem um dígito 4 e não contiverem um dígito 9. Ao final, nos pergunta quais números entre 14063 and 24779, inclusive, são bonitos.

Para saber quantos são bonitos, podemos começar com uma função:

In [1]: def bonito(x):
   ...:     return '4' in str(x) and '9' not in str(x)
   ...:

E podemos testá-la, para ver se  fizemos tudo direito:

In [2]: bonito(4)
Out[2]: True

In [3]: bonito(9)
Out[3]: False

In [4]: bonito(49)
Out[4]: False

In [5]: bonito(1491)
Out[5]: False

Daí, basta aplicá-la usando a mesma técnica que usamos no problema anterior:

In [6]: len([ n for n in range(14063, 24780) if bonito(n) ])
Out[6]: 3047

Se você preferir, pode fazer tudo em uma linha:

In [7]: len([ n for n in range(14063, 24780) if '4' in str(n) and '9' not in str(n) ])
Out[7]: 3047

Ou, ainda:

In [8]: len(filter( lambda x: '4' in str(x) and '9' not in str(x), range(14063, 24780)))
Out[8]: 3047

Os telefones

A última pergunta nos apresenta um país em que os números de telefone têm 6 dígitos. Números não podem ter dois dígitos consecutivos idênticos, porque isso é caído. A soma dos dígitos tem que ser par, porque isso é legal e o último dígito não pode ser igual ao primeiro, porque isso dá azar.

Vamos começar com os caídos

In [1]: def caido(x):
   ...:     for i in range(0, len(str(x))):
   ...:         if str(x)[i] == str(x)[i - 1]:
   ...:             return True
   ...:     return False
   ...:

Agora vamos para os legais

In [2]: def legal(x):
   ...:     return sum([ int(n) for n in str(x) ]) % 2 == 0
   ...:

E, se olharmos a função "caido", vamos ver que ela considera caídos os números que dão azar.

In [3]: caido(123451)
Out[3]: True

Assim, basta usarmos duas no nosso critério:

In [4]: len([ n for n in range(100000, 1000000) if not caido(n) and legal(n) ])
Out[4]: 238500

Mas o exercício não perguntou quantos caídos entre 100000 e 999999. Eles nos deu uma lista. Com um pouco de mágica de clipboard, colocamos os números em uma string, que quebramos e fazemos uma lista:

In [5]: tudo = '''214966
   ...: 215739
   ...: 220686
   ...: 225051
   ...: 225123
   ...: 226810
   ...: 228256
(...)
   ...: 720576
   ...: '''

In [6]: tudo
Out[6]: '214966\n215739\n220686\n225051\n225123\n...720202\n720568\n720576\n'

Opa! Tem um '\n' no final do qual precisamos nos livrar

In [7]: numeros = tudo.split('\n')[:-1]

In [8]: len(numeros)
Out[8]: 200

Então, usamos a lista e chegamos no resultado:

In [9]: len([ n for n in numeros if not caido(n) and legal(n) ])
Out[9]: 61

61 de 200 parece razoável.

Motivo para pânico?

Não desanime se seus números forem muito diferentes dos meus. Os enunciados variam de teste para teste. Além disso, até agora eu não recebi confirmação da minha inscrição. Isso pode indicar que eu errei tudo.

Boa sorte!

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Programação como arte performática

O "Dueto das Flores", parte do primeiro ato de Lakmé, nunca deixou de me comover.

A busca da beleza deve sempre fazer parte da nossa vida e do nosso trabalho. Foi pensando nisso que eu resolvi colocar aqui esse vídeo que mostra uma performance pouco usual. Talvez muitos nunca tenham pensado em programação de computadores como uma arte, muito menos como uma arte performática. Para muitos, programar é apenas um trabalho como qualquer outro.

Não é.

Ou, pelo menos, não precisa ser.

Prime Factors Kata in Ruby, Flower Duet, Lakme' por unclebob no Vimeo.

Sempre que programamos, estamos, como na poesia, buscando aquele ponto preciso entre concisão e expressividade, como no design, entre minimalismo e funcionalidade, ou como nas artes marciais e na dança, onde buscamos o movimento e o equilíbrio harmônicos e perfeitos. É o exercicio da precisão na manifestação de idéias.

O original do vídeo você encontra aqui, explicações de como e porque foi feito, aqui. A primeira versão do Dueto das Flores que se ouve no vídeo é a do grupo inglês All Angels, a segunda, do East Village Opera Company, mas eu, pessoalmente, prefiro uma interpretação menos pop-music.

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