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Aqueles que Simplesmente Não Entendem

by Ricardo Bánffy last modified Nov 19, 2008 07:30 PM

Nem todo mundo no mundo é rápido para perceber as mudanças na sociedade. Há aqueles que são naturalmente "mais lentos" que os outros e há também aqueles que insistem em se apegar ao passado que não volta em busca da segurança que acreditar que as coisas não mudam pode trazer.

Para os primeiros, recomendo que se esforcem mais.

Para os últimos, recomendo que desistam.

As coisas mudam e pronto. A vida é assim.

Gênios e Garrafas

O E-mail acabou com as cartas, ignorando solenemente os correios.

As geladeiras reduziram a um nicho minúsculo o negócio dos fabricantes de gelo.

MP3 e redes P2P estão fazendo rombos cada dia maiores no modelo de negócio de gravadoras, redes de TV e estúdios de cinema, para desespero de todos que ganham rios de dinheiro com o talento alheio.

PCs com Linux espremeram o mercado de workstations Unix, para desgraça da HP, da Sun e da Silicon Graphics (e dos colecionadores de computadores interessantes, como eu).

O motor de combustão interna acabou com as carruagens, para desespero dos fabricantes de ração, dos fabricantes de carruagens e dos cavalos.

E sites como o Google Videos e o YouTube permitem que qualquer um poste um vídeo para que ele seja visto pelo maior número de pessoas. Milhares de vídeos novos por dia. Palestras, conceitos interessantes, excelentes documentários, comerciais engraçados, bons videoclipes, momentos constrangedores e, claro sexo na praia.

Não adianta chorar, nem espernear. Tudo muda. Todas as coisas acabam. Não importa muito se doces ou não, se lucrativas ou não (embora os moribundos sempre se debatam muito pelas lucrativas), elas têm seus dias contados.

Privacidade e Auto-Promoção

É interessante a celeuma em torno da filmagem e inevitável divulgação dos momentos de intimidade, que, no Brasil, receberiam o nome de atentado violendo ao pudor, entre Daniela Cicarelli e seu anexo em uma praia, durante o dia, diante de várias centenas de pessoas.

Mais interessante ainda é o Estado defendendo o direito deles a fazer sumir as provas materiais do fato, espalhadas, a essa altura, por todo o planeta.

Qualquer um com mais de dois neurônios sabe que, por assim dizer, "afogar o ganso" no mar, à luz do dia, diante de centenas de pessoas, é pedir para ser notado. Fazer isso quando se é suficientemente famoso, é pedir para ser fotografado e filmado. Reclamar disso é infantil. Usar o Estado para se tentar escapar do ridículo é, por si, um ridículo ainda maior. Aqui na minha casa, os únicos que não têm o discernimento de não fazer sexo em público são peludos e andam em 4 patas.

Ser acompanhado por um exército de fotógrafos, embora incômodo, é parte do trabalho de "celebridade". É um fato da vida. Vem no pacote com o salário desproporcional, com os pedidos de autógrafos e com os convites para as boas baladas.

Mas é preciso encarar também as consequências disso com alguma dignidade. Cicarelli foi gravada... erm... "cavalgando o torpedo" do namorado e não ficou feliz. Muita gente, que podia - mesmo - usar melhor o tempo, se interessou pelo vídeo, assistiu e ficou feliz. Paciência. Bem-vindos ao clube de Pamela Anderson e Paris Hilton. Não fez nenhum mal pra elas - ao contrário, até. Ninguém aí tinha muito filme pra queimar.

Se servir para confortá-los, eu vi o vídeo uma única vez, no micro de um colega. Como pornografia achei péssimo - só estimularia um pervertido. De resto, dei a devida importância: nenhuma. Como a maioria, nunca copiei, baixei ou subi de novo.

Força Letal e Realismo

O problema maior é que o apego ao passado que não volta insiste em mostrar seus dentes.

E tem sempre alguém que simplesmente não entende.

É incômodo que exista um juiz que acha que é realmente razoável pedir ao YouTube que remova todos os vídeos da bimbosa dupla mais depressa do que eles são recolocados lá. A menos que todos os devotos do casal sejam profundamente ineptos e falhem em tomar providências básicas, é praticamente impossível verificar todos os vídeos adequadamente. Mesmo que se opte pela solução menos impossível, de bloquear o range de IPs do YouTube em roteadores estratégicos, é necessário antes pesar o valor da felicidade desse casal de aprendizes de Esther Williams contra a conveniência do resto da população. Eu, certamente, acho a conveniência do YouTube muito mais importante do que a felicidade deles. O interesse pela dupla aquática vai desaparecer com o tempo. Eu, por exemplo, ainda lembro o nome dela e não lembro o do rapaz. Em 10 anos, não lembrarei de nenhum dos dois. Em 50, nem mesmo eles lembrarão.

A vida pode ser miserável quando um juiz determina que você vai pagar uma monumental multa diária enquanto não conseguir dançar no teto ou assobiar enquanto chupa cana. É particularmente miserável porque eles contam com um poder quase absoluto: eles determinam que algo que eles querem é possível e, a partir daí, passa a ser sua obrigação violar leis da física para fazê-lo.

Também é risível, de verdade, essa insistência de juízes brasileiros em tentar fazer valer as leis daqui em outros lugares que estão, clara e evidentemente, fora da sua jurisdição.

É um mundo grande e os bracinhos do judiciário brasileiro não saem de nossas fronteiras.

O único jeito de estender a lei de um país para além de suas fronteiras implica em tanques, bombas e soldados - coisa que nunca acaba bem - e, felizmente, nossas forças armadas são dotadas tanto de bom-senso suficiente quando de dinheiro insuficiente para se perder em aventuras fúteis.

Direito de Imagem e Fluxo de Informações

Até alguns anos atrás, era razoável pensar, ao menos para os menos famosos, que a dificuldade do fluxo de informações garantiria a privacidade. Funcionava assim: Se os fatídicos eventos da praia espanhola acontecessem nos tempos do Betamax, o cinegrafista teria que filmar em vídeo (uma fita magnética bem grande), tirar algumas cópias e vender para emissoras de TV que poderiam, ou não, divulgar. Se fosse divulgado ao menos uma vez, mais pessoas gravariam e, eventualmente, conseguiriam passar uma ou duas cópias a amigos - numa época em que a cópia da cópia já era muito pior que o original. Mesmo que não fosse divulgado, as pessoas pelas mãos de quem a fita passou poderiam fazer cópias e dar para os amigos.

E pararia por aí.

No fim, as coisas ficavam discretas porque era muito difícil disseminar a informação.

Anos atrás, Xuxa comprou os direitos e um zilhão de cópias de um filme muito ruim em que ela fazia o papel de uma prostituta que, em dado momento, fazia sexo com um garoto de uns 14 anos (acho). Adiantou? Por algum tempo, sim. Hoje em dia, todo mundo que quis, já viu o filme. Quem ainda quiser, é simples encontrar nas redes P2P. Mas vale um aviso: O filme é muito, muito, muito ruim. O rítmo é geologicamente letárgico, a trilha sonora provoca hemorragias no ouvido interno e o roteiro pode atrofiar o cérebro de quem prestar atenção demais. Xuxa era bonitinha mas seus dotes de atriz eram - e são - muito limitados.

Hoje, mesmo o sucesso limitado que Xuxa alcançou é impossível.

A informação flui com muito mais facilidade. Com a Internet somos capazes de nos comunicar melhor, de nos organizar melhor. Com ela abusos se tornam públicos além da capacidade de qualquer governo de censurá-los. É por ela que blogueiros iranianos driblam a censura religiosa. A foto de agora é o flickr daqui a 5 minutos. É da net que governos totalitários têm medo. Porque ela e as informações que trafegam por ela são um retrato absolutamente fiel e impossível de censurar de nós mesmos. Pedófilos e neonazistas, Cicarellis e poetas, estão todos lá porque todos eles são parte do que nós somos. E, ao não poder ser censurado, somos obrigados a lidar com o que somos de fato e não com uma pudica fantasia de como gostaríamos de ser.

Isso é bom.

Eu topo pagar o preço de ver uma mancada minha ser repetida milhões de vezes. De verdade. A maioria de nós topa. Eu escrevo aqui sem muito medo. Mais dia, menos dia, alguém vai apontar o dedo na minha cara e dizer que "você falou aquilo". Falei mesmo. Melhor - escrevi e publiquei.

E pago até porque não há alternativa. O mundo mudou e é desse jeito que ele ficou.

E não há juiz ou lei no mundo capaz de colocar um gênio de volta em sua garrafa depois dele ter saído.

Vivam com isso.

© Ricardo Bánffy

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